PUBLICIDADE

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Forças terroristas podem estar atuando em Rondônia

O Globo - Exageros alarmistas e intrigas palacianas, apimentadas por comentários desabonadores sobre a classe política, têm feito parte do cardápio de conversas que diplomatas da embaixada dos Estados Unidos em Brasília mantêm com figuras do meio, em busca de informações que possam ajudar os EUA a entender o Brasil e, na prática, abrir caminho para a defesa de seus próprios interesses.

Documentos divulgados pelo WikiLeaks ao GLOBO registram cenas bizarras, como a de Heráclito Fortes (DEM), então presidente das comissões de Relações Exteriores e de Defesa, do Senado, praticamente convocando os EUA - em novembro de 2007 - a intervir de alguma forma para evitar uma conspiração iraniana-russa-venezuelana, para "espalhar ideologia antiamericana na região"; e para conter operações de guerrilha que estariam em andamento em Rondônia e no Piauí (seu estado).

Heráclito afirmou ao então embaixador americano, Clifford Sobel, que a construtora Odebrecht - que ganhara muitos contratos na Venezuela - se tornara lobista do governo Hugo Chávez. E acusou Marco Aurélio Garcia, assessor especial de assuntos internacionais, de ser favorável à formação de um bloco antiamericano - junto a Bolívia, Equador e Venezuela.

Aflito, em 5 de novembro de 2007, Heráclito ligou para o embaixador Sobel dizendo que tinha urgência em conversar com ele, mas o que tinha a dizer não podia ser falado por telefone. Sobel o recebeu naquela mesma tarde. Diante do apelo aparentemente desesperado, Sobel convocou também um diplomata do setor político da embaixada e um adido militar.

Depois de se dizer preocupadíssimo com atividades iranianas, russas e venezuelanas na região, Heráclito instigou os EUA a se engajarem mais "antes que seja muito tarde". Ao fazer tal apelo, chegou ao ponto de puxar as orelhas de Tio Sam: "Vocês são crianças; ignoram um problema até que ele se torne grande demais e, aí, já é muito tarde", disse aos diplomatas.

Em março de 2008, Heraclito fez um novo "alerta", dizendo a Sobel estar muito preocupado com sinais de terrorismo no Brasil, devido à presença de uma força similar às Farc operando em Rondônia "usando tecnologia russa ou iraniana". Disse ainda que o Centro Piauiense de Ação Cultural (Cepac), organização não governamental de Teresina, contaria com 15 estrangeiros "que seriam terroristas ou participantes de movimentos estrangeiros".

Os americanos disseram a Washington que tais preocupações "parecem válidas", e que Heráclito "está qualificado para falar sobre as condições em Teresina, onde foi prefeito de 1989 a 1992". Mas, concluíram não ter obtido informação suficiente para avaliar a precisão dos dados "e a possível seriedade das situações".

Os telegramas mostram que o ex-ministro da Fazenda e ex-deputado federal Delfim Netto, então atuando como consultor informal de Lula para assuntos econômicos, tem sido outro contato frequente da embaixada americana. Num deles está claro que o humor sarcástico de Delfim cativou os diplomatas - como quando, ao comentar a possibilidade do Brasil entrar em crise, lhes disse: "Eu já vivi ao longo de todas as crises, algumas delas produzidas por mim mesmo".

Delfim se destaca na documentação por sua caracterização de personagens da política nacional. Ao comentar aos americanos os prováveis candidatos à eleição presidencial, por exemplo, ele lhes disse que Ciro Gomes "é um Serra menos inteligente". E completou: "Serra é assustador, mas conhece as coisas. Ciro é assustador mas não conhece nada, só faz de conta que conhece". Delfim acrescentou ainda que, eleito, Ciro poderia se tornar "um Chávez brasileiro", e tentaria governar "via uma retórica populista e princípios econômicos socialistas ultrapassados". Mas disse que o Brasil na verdade já tinha "um outro e verdadeiro Chávez em sua vida política": João Pedro Stédile, o líder do MST.

Serra, quem Delfim previa ser o vencedor da eleição passada, foi descrito como "autoritário, intervencionista e antinegócios". Dilma, em sua opinião, não tinha a menor chance, embora fosse "a pessoa mais importante no governo depois de Lula, e com uma enorme influência na agenda nacional brasileira". Delfim não poupou também o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que permaneceu no posto no governo Dilma. Delfim disse a Sobel que tanto Lula quanto Dilma gostam de Mantega porque "ele pode ser controlado facilmente, e é um bode expiatório para Lula em assuntos politicamente impopulares; alguém que Lula pode usar como uma caneta, porque, diferente de outros ministros, não questiona as decisões do presidente".

Os próprios americanos demonstram, nos documentos, certa ignorância em relação ao Brasil: um deles, escrito pelo diplomata Patrick Linehan, diz que Aécio Neves é "filho do ainda popular Tancredo Neves". Entre as previsões feitas a eles por Delfim, para a área econômica, há uma ainda a se averiguar: ele disse que em algum momento, "provavelmente no primeiro ano do novo governo (2011), o Brasil vai dar de cara no muro novamente".

Nenhum comentário: